Aparelho-arma

Pope - Vatican Square

Pope - Vatican Square

O aparelho é brinquedo sedento por fazer sempre mais fotografias. Exige de seu possuidor (quem por ele está possesso) que aperte constantemente o gatilho. Aparelho-arma. Fotografar pode virar mania, o que evoca o uso de drogas. Na curva desse jogo maníaco, pode surgir um ponto a partir do qual o homem-desprovido-de-aparelho se sente cego. Não sabe mais olhar, a não ser através do aparelho. De maneira que não está face ao aparelho (como o artesão frente ao instrumento), nem está rodando em torno do aparelho (como o proletário roda a máquina). Está dentro do aparelho, engolido por sua gula. Passa a ser prolongamento automático do seu gatilho. Fotografa automaticamente.

A mania fotográfica resulta em torrente de fotografias. Uma torrente memória que a fixa. Eterniza a automaticidade inconsciente de quem fotografa. Quem contemplar álbum de fotógrafo amador, estará vendo a memória de um aparelho, não a de um homem. Uma viagem para a Itália, documentada fotograficamente, não registra as vivências, os conhecimentos, os valores do viajante. Registra os lugares onde o aparelho o seduziu para apertar o gatilho. Álbuns são memórias privadas apenas no sentido de serem memórias de aparelho. Quanto mais eficientes se tornam os modelos dos aparelhos, tanto melhor atestarão os álbuns, a vitória do aparelho sobre o homem.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 78-79)

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Informações indicativas, imperativas e optativas

Todas as informações podem ser subdivididas em classes. Por exemplo, informações indicativas (“A é A”); imperativas (“A deve ser A”); optativas (“que A seja A”). O ideal clássico dos indicativos é a verdade; dos imperativos, a bondade; dos optativos, a beleza. Na realidade, porém, a classificação é insustentável. Todo indicativo científico tem aspectos políticos e estéticos; todo imperativo político tem aspectos científicos e estéticos; todo gesto optativo (obra de arte) tem aspectos científicos e políticos. De maneira que toda classificação de informação é mera teoria.

As antíteses dos ideiais clássicos dos indicativos, imperativos e optativos seriam, portanto, a trapaça, a imposição e incoerência?

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 72-73)

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Objetos pós-industriais neoimperialistas

A fotografia enquanto objeto tem valor desprezível. Não tem muito sentido querer possuí-la. Seu valor está na informação que transmite. Com efeito, a fotografia é o primeiro objeto pós-industrial: o valor se transferiu do objeto para a informação. Pós-industria é precisamente isso: desejar informações e não mais objetos. Não mais possuir e distribuir propriedades (capitalismo ou socialismo). Trata-se de dispor de informações (sociedade informática). Não mais um par de sapato, mais um móvel, porém, mais uma viagem, mais uma escola. Eis a meta. Transformação de valores. (…)

A distribuição da fotografia ilustra, pois, a decadência do conceito de propriedade. Não mais quem possui tem poder, mas sim quem programa informação e as distribui. Neoimperialismo.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 70-71)

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Quatro estruturas do discurso

Há quatro estruturas fundamentais de discurso:

  1. os receptores cercam o emissor em forma de semicírculo, como no teatro;
  2. o emissor distribui as informações entre retransmissores, que a purificam de ruídos, para retransmiti-la a receptores, como no exército ou no feudalismo;
  3. o emissor distribui a informação entre círculos dialógicos, que a inserem em sínteses de informação nova, como na ciência;
  4. o emissor emite a informação rumo ao espaço vazio, para ser captada por quem nele se encontra, como no rádio.

A todo método discursivo, corresponde determinada situação cultural: o primeiro método exige situação “responsável”; o segundo “autoritária”; o terceiro, “progressista”; o quarto, “massificada”.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 68-69)

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Diálogo e Discurso

Mas o homem parece ser o único fenômeno capaz de produzir informações com o propósito deliberado de se opor à entropia. Capaz de transmitir e guardar informações não apenas herdadas, mas adquiridas. (…)

O processo de manipulação dessas informações é a comunicação que consiste de duas fases: na primeira, informações são produzidas; na segunda, informações são distribuídas para serem guardadas. O método da primeira fase é o diálogo, pelo qual informações já guardadas na memória são sintetizadas para resultarem em novas (há também diálogo interno que ocorre em memória isolada). O método da segunda fase é o discurso, pelo qual informações adquiridas no diálogo são transmitidas a outras memórias, a fim de serem armazenadas.

Nunca havia parado para pensar que os conceitos de produção de informação e distribuição de informação pudessem, de maneira tão clara, serem classificados como diálogo e discurso. Ultimamente, estou tão imerso no contexto da linguagem computacional que eu, superficialmente, pensaria em coisas como banco de dados, redes, bits, etc. A forma como o Flusser cria definições e conceitua seu pensamento é algo genial: sintético e, ao mesmo tempo, inesperado, quase poético.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 68)

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A fotografia

Fotografias são imagens técnicas que transcodificam conceitos em superfícies. Decifrá-las é descobrir o que os conceitos significam. Isto é complicado, porque na fotografia se amalgamam duas intenções codificadoras: a do fotógrafo e a do aparelho. O fotógrafo visa eternizar-se nos outros por intermédio da fotografia. O aparelho visa programar a sociedade através das fotografias para um comportamento que lhe permita aperfeiçoar-se. A fotografia é, pois, mensagem que articula ambas as intenções codificadoras. Enquanto não existir crítica fotográfica que revele essa ambiguidade do código fotográfico, a intenção do aparelho prevalecerá sobre a intenção humana.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da Caixa Preta: Ensaios para uma Futura Filosofia da Fotografia. São Paulo: Annablume, 2011. (P. 64-65)

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How schools are killing creativity

Excelente video. Critica bem clara e profunda sobre o sistema educacional no mundo.

We have a system of education that is modeled on the interest of industrialism and in the image of it. School are still pretty much organized on factory lines — ringing bells, separate facilities, specialized into separate subjects. We still educate children by batches. Why do we do that?

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Build a School in the Cloud

Mais um video muito interessante sobre educação e tecnologia.

Alguns trechos:

If you allow the education process to self-organize, than learning emerges. It´s not about making learning happen. It´s about letting it happen.

It’s quite fashionable to say the education system is broken. It’s not broken… It’s wonderfully constructed. It’s just that we don’t need it anymore. It’s outdated.

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“A informaçao”, agora em português

Vejam este artigo da Folha sobre um trecho do livro de James Gleick – “A informação: uma história, uma teoria, um transbordamento” – que sairá, agora em português, ainda no primeiro semestre de 2012.

O trecho nos conta uma breve passagem do livro sobre a máquina de Turing, um modelo conceitual que serviu de fundamento para a futura evolução dos computadores e algoritmos anos mais tarde.

Gleick é o cara que escreveu um livro muito bacana sobre a teoria do caos. Um dia ainda escrevo um post sobre esse assunto, que é muito interessante.

Voltando ao assunto “informação”, vejam aqui também um outro post que eu publiquei há algum tempo.

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Your brain on video games

Excelente vídeo de uma pesquisadora de ciências cognitivas sobre os efeitos (benéficos!) dos jogos de ação em aspectos de nossa percepção sensorial, tais como visão, reflexos e atenção.

A pesquisadora apresenta argumentos sobre os efeitos benéficos dos video games, especialmente nos jogos de ação. Por meio de pesquisas e testes, ela procura refutar algumas opiniões recorrentes no senso-comum sobre jogos eletrônicos, tais como:

– somente crianças e jovens jogam video games
– video games prejudicam a sua visão
– video games contribuem para o aumento da dispersão da atenção

Destaco alguns pontos:

– A pesquisadora faz uma comparação simples, porém interessante e didática: video games são como vinhos. Obviamente que há consumo em excesso, o que gera consequencias muito ruins, tanto sociais quanto físicas. Porém, quando consumidos em proporções adequadas, ambos podem ser extremamente benéficos.

– Desafio: é preciso desenvolver jogos com caráter educacional que possam potencializar os efeitos positivos dos videos games, sem, no entanto, deixar de ser atrativos comercialmente.

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