Imagens técnicas

Pixels on LCD screen. Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:LCD_pixels_RGB.jpg

As imagens técnicas são tentativas de juntar os elementos pontuais em nosso torno e em nossa consciência de modo a formarem superfícies e destarte taparem os intervalos. Tentativas para transferir os fótons, elétrons e bits de informação para uma imagem. Isto não é viável para mãos, olhos ou dedos, já que tais elementos não são nem palpáveis, nem visíveis, nem concebíveis. Logo, é preciso se inventarem aparelhos que possam juntar ‘automaticamente’ tais elementos pontuais, que possam imaginar o para nós inimaginável. E é preciso que tais aparelhos sejam por nós dirigíveis graças a teclas, a fim de podermos levá-los a imaginarem. A invenção desses aparelhos deve preceder a produção das novas imagens.

Os aparelhos, não sendo humanos, não se vêem obrigados a querer apalpar, visualizar ou conceber os pontos. Para eles, os pontos são meras virtualidades para o seu funcionamento. (…)

O importante para a compreensão da produção das imagens técnicas é que se processa no campo das virtualidades. (…) Os dois horizontes do virtual são “necessário” e “impossível”. Tais horizontes se desenham contra as regiões do “provável” e “improvável”, das quais são precisamente os limites. A “mathesis” do universo emergente e da consciência emergente é o cálculo de probabilidades. Não mais fazer contas e contos, mas calcular probabilidades. Os termos “verdade” e “falsidade” passam a designar limites inalcançáveis. A distinção ontológica a ser feita é aquela que se dá entre o mais ou menos provável. E não apenas a ontológica, mas igualmente a ética e a estética: nada adianta perguntar se as imagens técnicas são fictícias, mas apenas o quanto são prováveis. E quanto menos prováveis são, tanto mais se mostram informativas.

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. (p. 24)

Publicado em comunicação, conhecimento, estéticas tecnológicas, mapa, sociedade da informação, visualização | Deixe um comentário

Imagens tradicionais

Pinturas rupestres em Lascaux. Fonte: http://www.newpicasso.org/cave-paintings-at-lascaux/

Flusser, nos trechos seguintes, descreve o processo de criação das imagens tradicionais (pré-históricas).

Toda imagem produzida se insere necessariamente na correnteza das imagens de determinada sociedade, porque toda imagem é resultado de codificação simbólica fundada sobre código estabelecido. Por certo: determinada imagem pode propor símbolos novos mas estes serão decifráveis apenas contra o mundo ‘redundante’ do código estabelecido. Imagem desligada de tradição seria indecifrável, seria ‘ruído’. Mas, ao inserir-se na correnteza da tradição, toda imagem propele por sua vez a tradição rumo a novas imagens. Isto é: toda imagem contribui para que a mundivisão da sociedade se altere. (…)

As novas imagens não são apenas modelos para futuros produtores de imagens, mas são, mais significativamente, modelos para a futura experiência, para a valoração, para o conhecimento e para a ação da sociedade. (…)

Em seguida, ele propõe uma breve definição para imagens tradicionais:

“São elas superfícies que fixam e publicam visões da circunstância passadas pelo crivo de um mito. Significam circunstância simbolizada por mito. E o fazem ao abstraírem da circunstância a sua profundidade. São elas mapas míticos do mundo. E, enquanto modelos de ação, fazem com que a sociedade se oriente no mundo segundo símbolos míticos, isto é, que aja magicamente.”

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. (p. 20-21)

Publicado em conhecimento, mapa | Deixe um comentário

O homem histórico

Dezenas de milênios se passaram até que tivéssemos aprendido a tornar transparentes as imagens, a “explicá-las”, a arrancar com os dedos os elementos da superfície das imagens e alinhá-los a fim de contá-los; até que tivéssemos aprendido a rasgar o tecido do contexto imaginado e a enfiar os elementos sobre as linhas, a tornar as cenas “contáveis” (nos dois sentidos do termo), a desenrolar e desenvolver as cenas em processos, vale dizer, a escrever textos e a “conceber o imaginado”. (…) Graças a ele (o gesto abstraidor) o homem transforma a si próprio em homem histórico, em ator que concebe o imaginado.

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. (p. 16-17)

Publicado em comunicação, conhecimento, design da informação, estéticas tecnológicas, mapa, sociedade da informação | Deixe um comentário

A antropologia visual de Cartier-Bresson

“Je suis visuel. J’observe, j’observe, j’observe. C’est par les yeux que je comprends.”

Fui a uma exposição do Cartier-Bresson no Pompidou. Eu já gostava bastante das fotos dele, agora tive a oportunidade de conhecer seu trabalho com um pouco mais de profundidade. Segue um breve texto, retirado de uma das seções da exposição.

Paralelamente às suas reportagens, Cartier-Bresson também fotografou certos personagens de maneira recorrente em todos os países que ele esteve, durante vários anos. Realizadas à margem das reportagens, ou de maneira totalmente autônoma, esta série de imagens questiona grandes questões da sociedade da segunda-metade do século vinte e são verdadeiras investigações. Elas não foram encomendadas, nem mesmo foram feitas sob a urgência imposta pela imprensa, mas são muito mais ambiciosas que numerosas reportagens. Tais questões temáticas e transversais que o próprio Cartier-Bresson descreve como uma ‘combinação de reportagem, de filosofia e de análise social e psicológica’, assemelham-se à antropologia visual: uma forma de conhecimento do homem na qual as ferramentas analógicas de registro atuam em um papel essencial.

As fotografias dele são hipnóticas, completas, inspiradoras. Ao mesmo tempo, expressam um ponto de vista despretensioso, delicado, principalmente quando ele registra cenas do cotidiano. Acho que é isso o que mais me agrada em suas fotos: a beleza da simplicidade, registrada em composições impecáveis, harmônicas, clássicas. Vejo seu trabalho como o alicerce da linguagem fotográfica.

Não tem como gostar de rock sem conhecer os Beatles. Cartier-Bresson nos faz gostar ainda mais da fotografia.

Lembrei-me bastante das aulas de fotografia da faculdade, onde aprendíamos sobre o processo analógico de ponta-a-ponta, incluindo a revelação e ampliação em laboratório. Era mágico quando, ao mergulhar o papel fotográfico “em branco” no líquido revelador sob a luz vermelha do laboratório, a imagem surgia lentamente sobre a folha (arrepio-me somente de recordar…).

Foi muito interessante também recordar as dicas da professora de foto-jornalismo. (Ana Karina? Não me lembro…). O “momento-decisivo”, o posicionamento do fotógrafo, a importância do movimento das pernas, da flexibilidade, da elasticidade. O cuidado com a composição, a coragem de se colocar em um ponto-de-vista oposto ao da multidão.

Pra mim, a foto acima é uma das melhores. Cartier-Bresson foi contratado para registrar a coroação do rei da Inglaterra. Para captar o clima, ele optou por fotografar as multidão, ao invés da cerimônia em si. (Não me lembro de ter visto uma foto sequer do próprio rei ou das autoridades convidadas). Na foto acima, além do inusitado dorminhoco entre os jornais, com um aparente sorriso no rosto, as pessoas estão todas concentradas na cerimônia, que parece ocorrer atrás e à direita do fotógrafo. Mas, exatamente no meio da fotografia, um menino observa, diretamente, a lente “Leica” de Henri Cartier-Bresson. Como se ele dissesse mentalmente. “Estou te vendo e imagino o que você deve estar pensando sobre nós neste momento.”

Publicado em fotografia, vida urbana | Deixe um comentário

A casa de Asterion

Labirinto de CretaLabirinto de Creta

No sólo he imaginado esos juegos; también he meditado sobre la casa. Todas las partes de la casa están muchas veces, cualquier lugar es otro lugar.

Li esse pequeno conto do Borges há umas duas noites. Fiquei um pouco decepcionado comigo por não ter sacado de quem se tratava desde o começo (num determinado momento da leitura, achei que fosse um cachorro de estimação…)

Borges traz um ponto de vista inesperado. É interessantíssima a interpretação dele sobre o personagem em questão, afinal, nunca eu havia parado para pensar como seria vida dele, o que ele espera, seu cotidiano, suas aflições. Sequer parei para pensar que o personagem poderia ser uma criatura racional.

Legal imaginar que ele se diverte com coisas simples, como correr e rolar pelos corredores, brincar de dormir ou mesmo se arriscar a sair de sua casa, para ver o mundo lá fora. Ele também pensa sobre o mundo, sobre si e sobre o que pensam dele. Como ele mesmo diz, os dias são longos e monótonos. Sempre à espera da profecia libertadora.

Fiquei com pena de Asterion. Mas feliz por ele ter encontrado seu destino.

Asterion

Asterion

Leia agora o conto. É curto.

Após ler, saiba um pouco mais sobre a mitologia de Asterion.

Quando eu tiver um cachorro (se um dia eu tiver espaço par ter um), quero que ele se chame Asterion.

Quero também conhecer a ilha de Creta.

Ilha de Creta, Grécia

Ilha de Creta, Grécia

Publicado em mapa | Deixe um comentário

Informatique, informatica, informatik

“Information theory began as a bridge from mathematics to electrical engineering and from there to computing. What English speakers call ‘computer science’ Europeans have know as informatique, informatica and informatik. Now even biology has become an information science, a subject of messages, instructions and code.”

Não havia me ligado que “informática”, um termo tão comum em português, não existe em inglês…

GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Publicado em conhecimento, sociedade da informação | Deixe um comentário

Purificação da informação

Neste trecho, Gleick comenta sobre a importância do trabalho de Shannon para a “purificação” to termo informação. Até então, tratava-se de um conceito muito vago. Segundo ele, a Teoria Matemática da Informação foi fundamental para dar força científica ao conceito, permitindo que todo o desdobramento tecnológico decorrente disso pudesse deslanchar.

“For the purposes of science, information had to mean something special. Three centuries earlier, the new discipline of physics could not proceed until Isaac Newton appropriated words that were ancient and vague – force, mass, motion, and even time – and gave them new meanings. Newton made these terms into quantities, suitable for use in mathematical formulas. Until then, motion (for example) had been just a soft and inclusive a term as information. For Aristotelians, motion covered a far-flung family of phenomena: a peach ripening, a stone falling, a child growing, a body deaying. That was too rich. Most varieties of motion had to be tossed out before Newton’s laws could apply and the Scientific Revolution could succeed. In the nineteenth century, energy began to undergo a similar transformation: natural philosophers adapted a word meaning vigor or intensity. They mathematicized it, giving energy its fundamental place in the physicists’ view of nature.

It was the same with information. A rite of purification became necessary.

And then, when it was made simple, distilled, counted in bits, information was found to be everywhere. Shannon’s theory made a bridge between information and entropy; and between information and chaos. It led to compact discs and fax machines, computers and cyberspace, Moore’s law and all the worl’s Siicon Alleys. Information processing was born, along with information storage and information retrieval. People began to name a successor to the Iron Age and the Steam Age.”

Não há dúvida que “simplificar” conceitos e reduzir potenciais interpretantes é uma forma de empobrecer uma palavra tão cheia de possibilidades como “informação”. Por outro lado, é papel das ciêncas exatas isolar variáveis e definir escopo mais claro de pesquisa.

GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Publicado em comunicação, conhecimento, sociedade da informação | Deixe um comentário

Fortuna, ou acaso “bem-sucedido”

A Pinacoteca de São Paulo está recebendo uma exposição imperdível do artista William Kentridge. Fui lá conferir neste último final de semana. A exposição se chama “Fortuna” (mais no sentido do “fortuito” e menos da “riqueza material”).

Em linhas gerais, a exposição trata do processo criativo do artista. Há vários videos  que mostram Kentridge produzindo suas obras. Ele anda, gesticula, escreve, desenha. As animações possuem um traço bem expressivo, forte, em tons escuros e contrastados. Em seus filmes, ele trabalha muito bem com sobreposições, loops, desenho sobre foto, gravura sobre desenho, recortes, colagens.

Além das animações e videos, que já valeriam a visita, as esculturas e gravuras também são muito interessantes. Há litogravuras, esculturas com ferragens, colagens com páginas de livros, desenhos com carvão.

Ele usa várias técnicas diferentes, mas sempre mantendo uma linha bastante coerente. Alguns elementos simples do cotidiano dele estão presentes em quase todas as obras, tais como uma xícara branca de café, uma tesoura, um chapéu panamá e uma cafeteira italiana.

Para mim, as obras transmitiram algumas sensações interessantes: melancolia, depressão, delicadeza; mas, ao mesmo tempo, com ironia e bom-humor. Um outro aspecto muito interessante é a referência à história do cinema, uma homenagem aos primórdios da animação. Há gravuras que podem ser vistas com lentes que simulam o efeito 3D dos óculos atuais, discos perfurados que giram sobre figuras para simular um breve filme animado, videos que lembram as experiências de Meliés na virada do século.

A exposição ficará na pinacoteca de SP até o final de novembro de 2013.

Publicado em estéticas tecnológicas | Deixe um comentário

A informação

Meu livro chegou. Vamos começar a imersão.

Seguem algumas críticias:

NYTimes de Geoffrey Nunberg (University of California – Berkeley)

Contemplating the problem of turning information into useful knowledge, Gleick sees a similar role for blogs and aggregators, syntheses like Wikipedia, and the “vast, collaborative filter” of our connectivity. Now, as at any moment of technological disruption, he writes, “the old ways of organizing knowledge no longer work.”

(…)

In an evocative final paragraph, he pictures humanity wandering the corridors of Borges’s imaginary Library of Babel, which contains the texts of every possible book in every language, true and false, scanning the shelves in search of “lines of meaning among the leagues of cacophony and incoherence.” If it comes to that, though, we’ll have lots of help identifying the volumes that are worth reading, and not just from social networks and blogs but from libraries, publishers and other bulwarks of the informational old order. Despite some problems, a prodigious intellectual survey like “The Information” deserves to be on all their lists.

Guardian, Alok Jha

So the story behind the human mastery of information deserves its day in the sun, in as much detail as possible. The most remarkable thing, perhaps, is just how fast it has happened

GLEICK, James. A informação: uma história, uma teoria, uma enxurrada. São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

Publicado em conhecimento, sociedade da informação | Deixe um comentário

Imagens técnicas

Somos testemunhas, colaboradores e vítimas da revolução cultural cujo âmbito apenas adivinhamos. Um dos sintomas dessa revolução é a emergência das imagens técnicas em nosso torno. Fotografias, filmes, imagens de TV, de vídeo e dos terminais de computador assumem o papel de portadores de informação outrora desempenhado por textos lineares. Não mais vivenciamos, conhecemos e valorizamos o mundo graças a linhas escritas, mas agora graças a superfícies imaginadas. Como a estrutura da mediação influi sobre a mensagem, há mutação na nossa vivência, nosso conhecimento e nossos valores. O mundo não se apresenta mais enquanto linha, processo, acontecimento, mas enquanto plano, cena, contexto – como era o caso na pré-história e como ainda é o caso para iletrados. No entanto, o presente ensaio procurará demonstrar que não se trata de retorno a situação pré-alfabética mas de avanço ruma a situação nova, pós-histórica, sucessora da história e da escrita. Nossa tese: as novas imagens não ocupam o mesmo nível ontológico das imagens tradicionais, porque são fenômenos sem paralelo no passado. As imagens tradicionais são superfícies abstraídas de volume, enquanto as imagens técnicas são superfícies construídas por pontos.

A leitura que tenho feito dos textos do Flusser tem bastante afinidade com o que eu já havia lido do Castells, sobre as mudanças de paradigma da sociedade a partir do desenvolvimento das tecnologias da informação e das comunicações em rede. Porém, Castells fala de aspectos econômicos e sociais. O que estou achando muito interessante do Flusser é a interpretação do mesmo contexto histórico sob o ponto de vista da filosofia da imagem. Ambos olham para o mesmo objeto (a sociedade pós-industrial), porém usam repertórios e argumentos diferentes. Legal também que o Flusser dialoga com o McLuhan (“o meio é a mensagem”).

Resgatei alguns links sobre Castells que eu coloquei por aqui há algum tempo (há 6 anos!!). Vejam:

a) Este trecho é bacana: segundo ele, não custa lembrar que a tecnologia não determina a sociedade, muito embora seja um elemento essencial em nossa história.

b) Reforçando esta mesma opinião, “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas.

c) Opa, olha aí ele chamando o McLuhan pra roda.

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008. (p. 15)

Publicado em comunicação, conhecimento, sociedade da informação | Deixe um comentário