A antropologia visual de Cartier-Bresson

“Je suis visuel. J’observe, j’observe, j’observe. C’est par les yeux que je comprends.”

Fui a uma exposição do Cartier-Bresson no Pompidou. Eu já gostava bastante das fotos dele, agora tive a oportunidade de conhecer seu trabalho com um pouco mais de profundidade. Segue um breve texto, retirado de uma das seções da exposição.

Paralelamente às suas reportagens, Cartier-Bresson também fotografou certos personagens de maneira recorrente em todos os países que ele esteve, durante vários anos. Realizadas à margem das reportagens, ou de maneira totalmente autônoma, esta série de imagens questiona grandes questões da sociedade da segunda-metade do século vinte e são verdadeiras investigações. Elas não foram encomendadas, nem mesmo foram feitas sob a urgência imposta pela imprensa, mas são muito mais ambiciosas que numerosas reportagens. Tais questões temáticas e transversais que o próprio Cartier-Bresson descreve como uma ‘combinação de reportagem, de filosofia e de análise social e psicológica’, assemelham-se à antropologia visual: uma forma de conhecimento do homem na qual as ferramentas analógicas de registro atuam em um papel essencial.

As fotografias dele são hipnóticas, completas, inspiradoras. Ao mesmo tempo, expressam um ponto de vista despretensioso, delicado, principalmente quando ele registra cenas do cotidiano. Acho que é isso o que mais me agrada em suas fotos: a beleza da simplicidade, registrada em composições impecáveis, harmônicas, clássicas. Vejo seu trabalho como o alicerce da linguagem fotográfica.

Não tem como gostar de rock sem conhecer os Beatles. Cartier-Bresson nos faz gostar ainda mais da fotografia.

Lembrei-me bastante das aulas de fotografia da faculdade, onde aprendíamos sobre o processo analógico de ponta-a-ponta, incluindo a revelação e ampliação em laboratório. Era mágico quando, ao mergulhar o papel fotográfico “em branco” no líquido revelador sob a luz vermelha do laboratório, a imagem surgia lentamente sobre a folha (arrepio-me somente de recordar…).

Foi muito interessante também recordar as dicas da professora de foto-jornalismo. (Ana Karina? Não me lembro…). O “momento-decisivo”, o posicionamento do fotógrafo, a importância do movimento das pernas, da flexibilidade, da elasticidade. O cuidado com a composição, a coragem de se colocar em um ponto-de-vista oposto ao da multidão.

Pra mim, a foto acima é uma das melhores. Cartier-Bresson foi contratado para registrar a coroação do rei da Inglaterra. Para captar o clima, ele optou por fotografar as multidão, ao invés da cerimônia em si. (Não me lembro de ter visto uma foto sequer do próprio rei ou das autoridades convidadas). Na foto acima, além do inusitado dorminhoco entre os jornais, com um aparente sorriso no rosto, as pessoas estão todas concentradas na cerimônia, que parece ocorrer atrás e à direita do fotógrafo. Mas, exatamente no meio da fotografia, um menino observa, diretamente, a lente “Leica” de Henri Cartier-Bresson. Como se ele dissesse mentalmente. “Estou te vendo e imagino o que você deve estar pensando sobre nós neste momento.”

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