Aparelho cibernético

Qual será a estrutura informática da sociedade telemática emergente? (…) A sociedade telemática será a sociedade cibernetizada. (…) Defino “cibernética” enquanto arte de pilotar e dirigir sistema complexo (“caixa preta”) tendo em vista a transformação dos acasos que ocorrem no interior do sistema em situações informativas. (…) Sugiro que, com a abolição de toda autoridade e com a automação de toda decisão, isto é, com a emergência das imagens técnicas, a sociedade não pode ser estruturada a não ser ciberneticamente.

Lembrando que, “cibernética” e “governo” possuem raízes etimológicas semelhantes (kybernien, do grego pilotar, controlar).

Se conseguirmos captar o fascínio que se derramará a partir dos terminais sobre a sociedade emergente, podemos começar a refletir sobre a cibernetização da sociedade. (…) Somente depois de captado o fascínio, podemos compreender porque os nossos netos se assumirão simultaneamente “artistas criativos” e “funcionários programados”, “dominados” e “dominadores”, “governo” e “governados”. Os nossos netos saberão melhor que as imagens os dominam precisamente porque são eles os que dominam as imagens. Eles saberão, melhor do que nós, o que significa “paixão criativa”, “atividade apaixonante”, “liberdade para sofrer e sofrer a liberdade”.

Uma visão de futuro onde os nós se confundem. Os pólos se invertem a todo momento. Poderíamos, da mesma maneira, inferir a coexistência de “publicador” e “leitor”, “autor” e “crítico”, “leitor” e “escritor”, “autoridade” e “mediocridade”, ou seja, tudo que o uma rápida passagem por postagens do facebook ou comentários em notícias nos revela facilmente.

Dou um exemplo óbvio dessa emergência da consciência nova, dessa superação da distinção entre ativo e passivo: a fotografia. Quem predomina na sua produção: o fotógrafo ou o aparelho? Quem é objeto, quem é sujeito, quem ativo e quem passivo? O aparelho determina o fotógrafo ou o fotógrafo o aparelho? Obviamente, a resposta adequada à situação é esta: o fotógrafo funciona em função do aparelho, o aparelho em função do fotógrafo e ambos são funções da produção de fotografias.

Taí: a fotografia como máquina clássica da pós-história. Instrumento primeiro da pós-modernidade.

Obs.: eu gosto muito do Cartiê-Bressão!

FLUSSER, Vilém. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.

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