Fluxos dinâmicos de informação no planejamento urbano: estratégias para simulação e compreensão de variáveis de um sistema
Resumo
Este trabalho irá abordar ao questão da complexidade das grandes metrópoles a partir do estudo do espaço de fluxos. Para isso, irá tratar do contexto atual urbano e sua relação com as tecnologias da informação, a globalização e a lógica de redes. Ao final, será proposta uma estratégia para o planejamento urbano, a partir da análise de um jogo de computador voltado para a simulação de cidades.
Contexto: as tecnologias da informação e a sociedade em rede
“Admitir o primado das estruturas hierárquicas significa privilegiar as estruturas arborescentes (…) Num sistema hierárquico, um indivíduo admite somente um vizinho ativo, seu superior hierárquico (…) Os canais de transmissão são pré-estabelecidos: a arborescência preexiste ao indivíduo que nela se integra num lugar preciso. (…) A estes sistemas centrados, os autores opõem sistemas a-centrados, (…) nos quais a comunicação se faz de um vizinho a um vizinho qualquer, onde as hastes e os canais não preexistem, nos quais os vizinhos são todos intercambiáveis, se definem somente por um estado a tal momento, de tal maneira que as operações locais se coordenam e o estado final global se sincroniza independente de uma instância central.” (DELEUZE e GUATTARI, 1997)
As significativas mudanças provocadas pela penetração da tecnologia da informação em todos os setores da sociedade neste início de século representam um novo marco na história humana. Tal contexto é caracterizado pela intensa aplicação da informação na geração de novos conhecimentos, numa proporção nunca antes verificada, ampliando a capacidade de comunicação entre pessoas.
A rede se tornou um modelo de comportamento e organização interna de elementos de um sistema por melhor traduzir suas relações não-hierárquicas e rizomáticas. Com essa compreensão, a maneira como os sistemas são estudados sofreu profunda mudança de ponto de vista, a partir do momento que os enxergamos como sistemas dinâmicos, internamente estruturados em rede. Podemos expandir esse conceito e encontrar seus reflexos não só em sistemas de computadores, como também na economia, biologia, sociologia e comunicação. Em outras palavras, a lógica do funcionamento de redes tornou-se aplicável a todos os tipos de atividades, contextos e situações. (CASTELLS, 1999, p. 89)
Os espaços urbanos, da mesma forma, também precisam ser observados com essa mesma lógica. Por influenciar decisivamente a mecânica cultural e econômica das instituições sociais (empresas, governo e indivíduos), a presença das tecnologias da informação se tornou fator fundamental para compreender o desenvolvimento das cidades. Dessa forma, as grandes áreas metropolitanas do mundo industrializado refletem a lógica das redes de maneira mais evidente, ao concentrar focos de inovação em tecnologia da informação.
As novas dinâmicas econômicas do espaço urbano
Para compreender as mudanças econômicas ocorridas nas grandes cidades nos últimos anos, é necessário evidenciar como as tecnologias da informação foram decisivas neste processo.
As grandes empresas organizaram-se em redes por necessidade de atuação em escala global do mercado, sustentadas pelas tecnologias de comunicação à distância. Nesse contexto, passaram a exigir profissionais capacitados, formados em centros de pesquisa tecnológica de ponta de grandes universidades. O trabalho desses profissionais envolve, necessariamente, desenvolvimento intelectual para automação de processos e geração de inovação, fatores determinantes para se obter vantagens competitivas. Trata-se, portanto, de uma mudança significativa na maneira como as empresas atuam, não mais sustentadas somente pela fórmula simples de consumo em massa de sua produção em escala. Na nova economia, caracterizada pela globalização e pelo funcionamento em rede, a própria informação se tornou o produto do processo produtivo.
A qualificação incessante dos profissionais passou a ser uma exigência que, inevitavelmente, leva a um abismo crescente entre os que possuem e os que não possuem acesso ao “capital intelectual”. A desigualdade de valores e a distância entre “incluídos” e “excluídos” geram reflexos na esfera social e na composição das novas dinâmicas do espaço urbano das metrópoles.
A interdependência de variáveis
Precisamos, dessa forma, encarar as grandes cidades como verdadeiros organismos complexos compostos de fluxos dinâmicos, com interdependência de seus elementos constituintes, sejam eles econômicos, sociais e culturais. De maneira que, qualquer alteração em um determinado aspecto, gera uma reação em cadeia em diversos outros elementos relacionados entre si.
Ainda que cada aspecto da cidade possua seus próprios desafios e demandas locais, o planejamento urbano exige domínio e conhecimento de inúmeras variáveis, tais como:
* Trânsito;
* Emprego;
* Distribuição de renda;
* Equilíbrio de demandas entre comércio/indústrias/residências;
* Especulação imobiliária;
* Criminalidade;
* Poluição;
* Infra-estrutura (esgoto, energia elétrica, transportes);
* Serviços sociais (saúde, educação, segurança);
* Orçamento;
* Lixo;
* Meio ambiente;
* Lazer;
* Cultura.
Percebemos claramente (pois sofremos isso no nosso cotidiano) que qualquer alteração no trânsito, por exemplo, tem impactos significativos em muitos outros aspectos do nosso dia. Da mesma forma, medidas de lazer e cultura possuem profunda relação com criminalidade e distribuição de renda. A especulação imobiliária, por outro lado, tem estreita influência em fatores como a infra-estrutura e o meio-ambiente, que por sua vez também gera questões sobre trânsito, poluição, lixo, e assim por diante.
Mais do que isso, percebemos que a mesma lógica se aplica a outros recortes dentro de um mesmo sistema. No caso das cidades, por exemplo, a arquitetura de formação de redes é reproduzida tanto no âmbito local quanto regional, entre bairros, cidades e regiões. Assim, encontramos interdependência de variáveis também em escalas menores ou maiores, cujo conjunto de forças atua tanto no seu equilíbrio quanto no seu desequilíbrio interno. Sua resultante tem potencial para desencadear um verdadeiro processo de desestruturação completa, seja ela destrutiva ou criativa.
O espaço de fluxos: um desafio para o planejamento urbano
CASTELLS (ibid) afirma que a era da informação está introduzindo uma nova forma urbana, a cidade informacional, caracterizada pelo predomínio estrutural do espaço de fluxos.
As megacidades – maiores aglomerações urbanas do mundo, segundo a ONU – em especial, se tornam palco de contradições: articulam a economia global, integrando as redes de informação. Por outro lado, abrigam outros segmentos da população em áreas negligenciadas pelas tecnologias de comunicação e ao conhecimento. Se por um lado, estão conectadas a centros globais externos, internamente evidenciam a ruptura de estruturas sociais. Ainda sim, as megacidades continuarão a crescer, pois se constituem como pólos de desenvolvimento econômico, de inovação cultural e política e de conexão às redes globais.
Em sua análise da influência das tecnologias da informação no espaço urbano, o mesmo autor também coloca que, embora os recursos de telecomunicações e transações à distância estejam proporcionando novas possibilidades econômicas, as aglomerações e a proximidade física ainda são realidade. Ou seja, o trabalho ainda é presencial e não será substituído pelo trabalho à distância num curto prazo de tempo.
Por exemplo, o problema dos transportes é crescente, uma vez que requer maior mobilidade física da força de trabalho entre centros e periferia, incentivada pela compressão temporal das empresas em rede (muito mais atividades são realizadas numa mesma jornada de trabalho). O comércio eletrônico não elimina as grandes redes de varejo físicas. Pelo contrário, hipermercados e centros de compra se expandem cada vez mais, ao mesmo tempo em que inauguram suas versões também para a Internet. Idem para os complexos de saúde e as instituições de ensino, que passam a combinar funções locais e sistemas on-line.
Este cenário nos aponta para um desafio interessante: como compreender os fluxos dinâmicos envolvidos nas questões urbanísticas para melhor atuar no planejamento das cidades? Tal questão se torna pertinente ao associarmos, imediatamente, as cidades aos sistemas de informação.
Uma hipótese decorrente desse problema estaria, portanto, em compreender as relações dinâmicas por meio das informações geradas por tais fluxos. Mais precisamente, podemos focar esta análise a partir da visualização e representação dessas informações.
Se a evolução das cidades depende, portanto, da relação de forças entre um dado conjunto de elementos dinâmicos, torna-se estratégico registrar o comportamento de cada variável em bancos de dados em formatos digitais. Assim seremos capazes de criar, com o auxílio do processamento dos computadores, visualizações gráficas dinâmicas (MANOVICH, 2002). Utilizando o mesmo critério, os padrões gerados podem ser comparados isoladamente ou a partir de cruzamentos de variáveis. A visualização dinâmica pode nos desvendar comportamentos interessantes, os quais dificilmente seriam revelados sem o auxílio de processamento digital.
A simples visualização de processos dinâmicos obviamente não irá trazer soluções para a complexidade que envolve os problemas das grandes cidades. Mas, ajudará a compreender o comportamento do espaço urbano e, principalmente, as relações de interdependência de suas variáveis.
Dessa forma, o objetivo específico deste estudo é debater a dinâmica de informações em uma cidade a partir de representações visuais, gráficos e diagramas. No entanto, antes de prosseguir, torna-se necessário apresentar um referencial conceitual para melhor compreender o problema em questão.
A teoria do espaço de fluxos
Iremos, neste momento, recortar parte do referencial teórico proposto por CASTELLS (ibid) para explicar um pouco mais sobre a teoria do espaço de fluxos – fundamental para embasar nossa discussão e identificar a lógica que rege essa nova sociedade que se forma.
Em primeiro lugar, cabe definir o termo fluxo, a fim de delimitar seu sentido aqui usado. São “seqüências intencionais, repetitivas, e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas por atores sociais nas estruturas econômicas, política e simbólica da sociedade.” (p. 501).
Percebemos que o autor provoca uma leitura social de um termo que já possui conotações tecnológicas e comunicacionais, justamente para associar a importância das tecnologias da informação nas esferas da sociedade neste contexto em debate. Dessa forma, fica claro compreender que os processos sociais exercem influência no espaço. Já que, por sua vez, o espaço é o ambiente que reúne práticas sociais que ocorrem simultaneamente, não podemos desassociar espaço de tempo. Em outras palavras, o espaço é, na verdade, a representação de um momento. Um retrato “congelado” de um determinado tempo. “O espaço de fluxos é a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos.” (p. 501)
Planejamento urbano: simulação e divertimento
Já que hipótese aqui apontada envolve justamente utilizar representações visuais para compreender os fluxos dinâmicos de informação internos ao ambiente da cidade, iremos propor a seguinte estratégia: transportar o problema em questão para o universo virtual da simulação de variáveis no computador, com o auxílio de um jogo chamado Sim City1.
Coloque-se no lugar de um urbanista e perceba, logo de início, o quanto é necessário munir-se de ferramentas e estratégias coerentes para resolver questões de planejamento das grandes cidades. Esta é a proposta do jogo: construir e administrar uma cidade, tendo em vista o orçamento disponível e as demandas de seus cidadãos. A partir de um espaço físico delimitado, você deve ser capaz de erguer uma cidade, construindo e gerenciando infra-estrutura básica de saneamento, energia, trânsito, educação, saúde, segurança, lazer, entre outras. Mas sempre tendo em vista o equilíbrio orçamentário, para o contínuo progresso da sua cidade.
O jogador tem, às suas mãos, além dos controles básicos de navegação pelo espaço, ferramentas de construção (e demolição) de áreas urbanas, comerciais e industriais; redes de esgoto, usinas de energia, ruas e avenidas, hospitais, escolas, delegacias, bombeiros, parques, depósitos de lixo, e diversos outros elementos que compõem uma cidade.
Por outro lado, o mais relevante para este estudo está em avaliar as ferramentas disponíveis no jogo para visualização de dados dinâmicos. O jogador tem acesso a diversas representações visuais da sua cidade geradas dinamicamente, na forma de gráficos, tabelas e diagramas. Essas representações, que correspondem a cada uma das facetas, filtram os dados desejados e exibem ao planejador um retrato esquemático da situação.
Neste estudo, o Sim City é analisado, portanto, como um simulador de cidades baseado em um sistema complexo dinâmico. Seus algoritmos criam lógicas de comportamentos específicas para os objetos, passíveis de interferências de outros fatores, que variam de intensidade com a evolução do tempo.
Conclusões: novos pontos de vista a partir do tratamento visual da informação
Um jogo de computador nunca será capaz de reproduzir todo o conjunto de forças que rege uma cidade real. Mesmo porque, diante da complexidade de combinações entre seus elementos constituintes, é improvável prever e repetir o mesmo comportamento de variáveis. Afinal, como vimos, o espaço é uma fotografia do tempo atual, e essa fotografia não seria a mesma, ainda mais considerando momentos e contextos diferentes. Em outras palavras, se tomarmos dois conjuntos compostos das mesmas variáveis, situados em espaços físicos idênticos e disparados no mesmo instante, ainda sim eles se desenvolveriam de maneira distinta.
Por outro lado, porém, a análise do Sim City é relevante para nosso estudo porque apresenta uma maneira interessante de se compreender, principalmente, a interdependência das variáveis discutidas anteriormente. Sob o ponto de vista deste estudo, essa compreensão é facilitada, sobretudo, a partir das ferramentas de visualização de dados disponíveis no jogo, recursos fundamentais para o processo de decisão das ações do jogador,
Os recursos de visualização somente são possíveis na medida em que todos os processos são mapeados e registrados em formatos de bancos de dados digitais. A seleção e o cruzamento de tais dados podem gerar informações visuais que, se permanecessem no formato numérico, dificilmente trariam algum significado. Em outras palavras, leituras visuais geradas por dados dinâmicos nos revelam interpretações “escondidas” atrás dos dados. Além disso, o controle das variáveis e a tomada de decisões são facilitados quando temos ferramentas geradoras de gráficos e diagramas.
Esta análise nos aponta, enfim, para uma conclusão geral: a aplicação dos recursos da tecnologia da informação no processamento de dados gerados em sistemas complexos dinâmicos para construir visualizações gráficas dos seus elementos proporciona novas compreensões sobre seu comportamento como um todo.
O conceito presente nessa estratégia, se adaptado de maneira consistente, sistêmica e integrada no desenvolvimento de um sistema capaz de realizar o mapeamento dos principais fluxos das grandes cidades pode ser bastante útil no planejamento urbano. Pois irá revelar pontos de colisão, carências e comportamentos de seus elementos, em relação ao espaço como um todo e, principalmente, aos outros elementos que também fazem parte do sistema.
Referências
CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. A era da informação: economia, sociedade e cultura. 6ª. Edição. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34. 715 pp. 1997
MANOVICH, Lev. Data Visualisation as New Abstraction and Anti-Sublime. Berlim: Agosto 2002. Disponível em < http://www.manovich.net/DOCS/data_art_2.doc > Acesso em 27/05/2007.